segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Graças

Domingo nas ruas da aldeia que é cidade capital, que esquece o trânsito por umas horas e que torna os rios de carros em pontes para gentes.
Eu sigo sozinho, perdido na Graça, e ela sozinha segue, com objectivo definido. Eu envergo um fato-de-treino meio suado, caminho em passo ligeiro e esforço-me por manter as costas direitas, porque sei que tenho uma postura errada. Ela leva um xaile amarrado à cintura, dá os passos lentos, tão depressa quanto consegue e as suas costas estão tão curvadas pela idade, que não consegue sequer olhar em frente.
Tem idade para bisnetos. Talvez não os tenha. 
Tem idade, aspecto e possivelmente saúde para ir de mão dada com a morte. Mas vai sozinha.
Tem o peso do mundo em cima de si. Há anos que não vê muito mais que o chão que pisa de forma fraca.

Mas é Domingo. E tem duas flores cor-de-rosa no cabelo. E segue sozinha porque tem idade para ter o mundo só seu e não é ele que tem o seu peso em cima dela, é ela que olha de cima para ele.

E eu sorrio e desejo um dia ter mesma vida que ela teve para colocar aquelas duas flores.

7 comentários:

  1. Sim! Aquela história da vida cheia de anos vs. Anos cheios de vida. *

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  2. Sim! Aquela história da vida cheia de anos vs. Anos cheios de vida. *

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  3. Tão bonito :)
    Quando era pequenina e via as velhotas da minha rua assim, super encurvadas a olhar o chão, pensava para mim "será que estão à procura de moedinhas da sorte?"

    (era mesmo muito pequenina...)

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Aceitam-se pires de amendoins.